Um convite para brincar

Quatro de quarentena

Um convite para Brincar

Querida amiga,

Obrigada pelo teu convite para nos juntarmos todas com os nossos filhos para brincar de vez em quando e fazermos atividades. As escolas, creches e infantários estão a fechar por causa do vírus como resposta à pandemia global. Os nossos filhos precisam de outras formas de ser acompanhados ao longo do dia, e dos dias.

Infelizmente, tenho de recusar. Sabes, apesar de nos sentirmos todos bem e estarmos com uma aparência saudável, não posso garantir totalmente que não estejamos infetados com o vírus. Prefiro não aparecer a pensar que, talvez, esteja a infetar as tuas crianças ou a de alguma das nossas amigas. Também é possível que ao longo do caminho infete o nosso vizinho que foi passear o cão, a velhota do café que veio fumar um cigarrinho cá fora. Está com catarro e precisa de ar fresco.

Além disso, não tenho a certeza que não estejas infetada, ou uma das tuas crianças. Sim, sei que tens tido todo o cuidado. Desculpa, até, sugerir tal cenário: por favor, não leves a mal. Mas é possível. E quando estivermos juntas, e os nossos meninos estiverem a brincar, não vou conseguir maravilhar-me, como costume, a ver as crianças a divertir-se. Em vez disso, começarei a tremer quando vir umas mãos dadas, um nariz que funga de emoção, um pedaço de maçã a passar de mão em mão.

Vou querer fugir dali, com medo. Depois, estarei ansiosa durante os próximos dias, a pensar nestas imagens, à procura que a ameaça invisível comece a mostrar as suas garras. Eventualmente, vou pensar em ti, no teu convite, e sentirei azedume. Finalmente, se ficarmos doentes, vou pensar “e se…?”

E o que é mais importante: se ficarmos doentes, estaremos doentes. Nós e outros mais, com quem, entretanto, estivemos.

Não, querida amiga, obrigada pelo teu convite. Obrigada por pensares em nós. Por também pensar em ti, e em todos nós, preciso de recusar o teu convite.